quarta-feira, 20 de maio de 2009

Pequeno poema

Serão palavras só...

Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens.


Diremos mãe amor,
um barco,
e só diremos
que nada há
para levar ao coração.


Diremos terra ou mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.

Eugénio de Andrade - Mar de Setembro
in Antologia, 1961

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Pequeno poema



Regresso ás terras de onde me roubaram.
Ah! minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!

Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos verso que o desterro esfarelou.

Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.


Miguel Torga in Diário IV, 1953


sábado, 16 de maio de 2009

A gateira, na praia do Vau


(uma gateira é um buraco num muro)








Como devem ser felizes os gatos que vivem nesta casa. Podem vir à rua quando querem, basta sair pelo buraco do muro alto que rodeia toda a casa. E, se vierem a fugir de um cão, logo por aí se esgueiram, seguros que cão ali não entra...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Pequeno poema

Instante


A cena é muda e breve;

Num lameiro,

um cordeiro

a pastar ao de leve...


Embevecida,

a mãe ovelha deixa de remoer;

e a vida

pára também, a ver.


Miguel Torga in Diário II, 1946

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O girassol e a Joaninha

No outro dia, a minha dona fez anos e recebeu flores, um girassol, das mãos da Joaninha e do Ricardo. Eu sou uma gata muito curiosa, e aquela flor amarela despertou a minha atenção. Subi para a mesa, e com a pata toquei naquelas folhinhas amarelas, como eu, aproximei o focinho e cheirei...

Uhm... que cheiro esquisito, não se parecia nada com o cheiro das flores cor de rosa que estão no jardim, e que deixam tombar as pétalas sobre a minha cabeça, quando as abano.

Mas não desisti, e voltei a estender a pata, e toquei na bolinha vermelha com pintinhas... mas a bolinha caiu, saltou para a mesa e da mesa para o chão, e eu corri atrás dela... mas em vão. Quando lá cheguei já a bolinha desaparecia na boca da Blue, que mastigava... mastigava...

Sempre ouvi que a curiosidade matou o gato, mas desta vez quem foi desta p'ra melhor foi a joaninha!


terça-feira, 12 de maio de 2009

O jardim do outro lado da rua

Da janela vejo o jardim, e apetece-me ir para lá correr e subir às árvores. Mas desde ontem que vejo homens e máquinas a cortar as árvores, as sebes... será que vão destruir o jardim?

Mas a minha dona diz que não, que vai ficar mais bonito e com mais espaço para os meninos brincarem, e que será mais seguro passear à noite. Talvez consiga ver aquele gato amarelo que se passeia pelos outros jardins; mas por enquanto só vejo pedras, e fazer e desfazer caminhos, e já lá vão duas semanas... Daqui já se consegue ver a escola, antes só ouvia as vozes das crianças durante os períodos de recreio... A minha dona continua tristonha, fala de alguém que eu não conheci, que já partiu fez ontem 1 ano, e que gostava de olhar por esta janela, ver os melros que pousavam no parapeito do terraço, os passarinhos que saltitavam esperando migalhas... E de outro alguém que já partiu há 6 anos, e de outros que deram vida a esta casa, que viram este jardim de que falo ser construído depois do 25 de Abril, e que partiram também..., tal como a esperança de um país novo onde se construiria o 'ser solidário'... De tudo isto me fala a minha dona enquanto, suavemente, vai passando a mão pelo meu pêlo.